quarta-feira, fevereiro 11, 2009

A vizinhança mal-assombrada

A freqüência das minhas viagens através dos ônibus públicos tem aumentado, exclusivamente graças à minha paciência que vem diminuindo durante os últimos meses. Depois da aula de esporte, o meu maior desejo é ficar deitada na minha cama com um copo d’água ao lado.

Quarta-Feira, 11, eu fiquei esperando o ônibus durante cerca de 30 minutos. Um conversa aqui, outra ali e a distração do motorista me fez perder o primeiro possível transporte de volta para casa. Quando finalmente passa o ônibus, 178 desta vez, ele pára. Fico contente, não terei que agüentar mais aquele sol nos meus ombros enquanto carrego a mochila com o material escolar. 2,20 é o preço da viagem, sem ar-condicionado e lotado chega a ser injusto. Sento-me no lugar disponível mais próximo.

Ao meu lado, um homem, que aparenta estar triste, sempre olhando para o chão e sem nenhuma reação. Começo a observar seus movimentos, sei que há algo errado. Quando o homem começa a mexer em sua blusa e no cartão do Rio Card pendurado em seu pescoço, eu começo a desconfiar do local onde aquele ser curioso saiu. Uma mancha vermelha escuro no dedão é obviamente interpretada como sangue. Entro em uma nuvem de pensamento negativo e começo a me desesperar. Início do Humaitá, o homem levanta, eu levanto para deixá-lo sair. O homem ao meu lado, que ainda não tinha participação alguma no plano maléfico da minha cabeça, pergunta: “Posso sentar aí?” Eu concordo e me encaminho para o assento anterior dele. O ser misterioso da mancha vermelha é conhecido do outro homem. Ele parecia perturbado, o que fez o meu medo crescer cada vez mais. Para complementar o medo, veio o espanto. Lentamente, o indivíduo pega no bolso de sua camisa um maço de cigarros da marca -desconhecida pela minha pessoa- chamada Campeão. Ele tira cigarro por cigarro e os coloca na mão do amigo. O amigo os coloca no bolso da própria camisa, como se tal ato fosse normal. Poucos minutos depois, o homem misterioso se levanta, despede-se com um aperto de mão e dirige-se ao final do ônibus para saltar no Jardim Botânico.

Ao ver ambos, lado a lado, eu pude analisar suas aparências e seus trajes que me deixaram mais intrigada com a situação. Indivíduo misterioso: 35 anos, cabeça raspada, calça branca, sapato branco, camisa social clara. Amigo do misterioso: 50 anos, cabeça raspada, calça jeans azul, sapato marrom, relógio preto e óculos de grau. Atitudes e disfarces de fugitivos do hospício de Botafogo?

O amigo não ficou sentado sozinho durante muito tempo, logo em seguida entram duas estudantes de escola pública com cerca de 10 anos. Ao sentar no banco, a menina esbarra com a mochila do rosto do amigo do misterioso. Não houve reação alguma, ele somente ajeitou os óculos e continuou sério. Eu, trêmula, só esperando a hora que o homem iria estourar. Meu eu interior não parava de repetir: “Saia deste ônibus, sua vida vale mais do que R$2,20 e alguns minutos debaixo do sol.” Eu não mexi um dedo. Ficava na esperança do homem sair logo e na preguiça de me levantar. Na Gávea, o homem finalmente deixa o ônibus. Eu suspiro aliviada, agradecendo a Deus pela vida. Sim, àquele que eu nunca rezo, converso ou até mesmo acredito. Obrigada, Deus!